8 de outubro de 2007

Sobre dose

Dose única
por Francisco Gaspar


O curta “ : dose única” (Rogério Shareid, 2007. Ribeirão Preto) conta a história de um Homem apaixonado por uma Mulher e que na instância de não tê-la completamente fica transtornado e se mostra obcecado por ela.
A válvula de escape do personagem masculino para tentar se conter diante da falta da Mulher, num primeiro estágio são os livros de anatomia, onde o personagem entra em contato com alguns conceitos biológicos. Após ele descobrir em suas leituras que o corpo da mulher é composto, em sua maioria, por água, o Homem começa a consumir o líquido de forma compulsiva, até o momento em que ele se depara com ela onde o excesso de desejo custa-lhe a vida, vítima de uma overdose.
Feita essa primeira descrição narrativa e simplista, partiremos para uma análise mais simbólica do curta. Essa análise será baseada num elemento que considero de suma importância para o enredo do filme: a água. Sua importância se dá tanto pela parte mais simbólica do filme quanto para contextualizar geograficamente a região e o clima em que foi filmado, que apesar de não se citado diegéticamente, exerce uma grande influência nas simbologias utilizadas pelo roteiro.
Primeiramente, a água tem uma importância muito grande no enredo do curta pois ela representa, de forma indiciática, a própria Mulher. A relação de índice se faz baseada numa informação fisiológica que o próprio filme aponta. Então, o consumo compulsivo de água pelo personagem Homem passa a ser o “consumo” da Mulher. A voracidade com que o Homem vai em busca da água e a ingere é a mesma com que ele transa com ela; e todo o transtorno dele quando a água acaba é também, senão simplesmente, causado pela ausência da Mulher. Então, a água que é uma representação indiciática passa a ser, também, uma representação simbólica, pois ela deixa de ser apenas um elemento que compõe o corpo da mulher e passa a ser a representação da personagem Mulher, iniciando uma relação metonímica em que a parte água passa a ser o todo mulher.
Indo mais além no curta e nas relações entre clima, Mulher e água, destaca-se os momentos de alucinação do personagem em que o elemento água se faz presente de forma mais simbólica. São eles as cenas onde o personagem começa a ver bolhas de sabão, goteiras, água saindo do armário e quando ele consome água direto do galão da cozinha. Esse momento antecede o clímax do filme que é quando o personagem, já num estado de total transtorno, destrói os pertences de seu quarto.
No momento de alucinação, onde o personagem vê água em todos os cantos, nota-se uma serenidade e uma passividade do personagem, que irá propositadamente contrastar com a seqüência posterior. Para o autor, a água é um elemento que se remete ao profundo, a escuridão das profundezas das águas, porém não como algo de energia negativa, e sim a uma calmaria, a um momento de reflexão interior, de introspecção, de uso terapêutico da água e de sua ausência de luz no profundo, algo uterino, onde os sons não são bem definidos e as imagens são desfocadas. Essa calmaria e introspecção se fomentam, também, na fotografia do filme que traz cores mais frias nos momentos de reclusão, e que se acentuam na cenas de alucinação, em tons de azul em contraste com a aridez avermelhada da realidade proposta ajudando a criar toda a atmosfera introspectiva necessária pra a seqüência.
Sendo assim, nesses momentos, que não chamo mais de alucinação e sim de introspecção, em que o Homem comporta-se de forma passiva e considerando toda a atmosfera sugerida pela fotografia e as simbologias com a água, principalmente a do útero, pode-se dizer que a atitude do Homem é de uma passividade fetal.
Assim, quando o Homem sai da passividade para a explosão, como um bebê que deixa de ser feto e vem ao mundo e como o Homem que abandona seu estado de introspecção para outro de ação, ele desprende parte de sua energia, até então acumulada, no ato de auto-destruição, chegando ao ponto de reencontrar a Mulher que sempre esteve ali do outro lado da porta sugerida pela forma narrativa, e que o sauda com um copo d’água, reunindo num só momento os dois desejos do Homem. Ele rompe com a atmosfera criada pelo momento de introspecção, de toda sua fase água, e passa rapidamente pela fase terreno, onde ele realmente vê a Mulher, e logo em seguida atinge um estágio de sublimação total – o momento da transa – onde a energia desprendida pelo excesso de prazer é tão grande que lhe custa à vida.
Complementando a análise do curta, consideremos a água, a localização geográfica da região de Ribeirão Preto em que o vídeo foi feito e a conjunção de significados sugerido pelo diretor entre a falta do objeto de desejo, a Mulher e a falta de umidade, reflexo do clima da região muitas vezes causada pelo excesso de queimada de cana. A Mulher, já no fim do filme, se configura como representação de parte do clima concluida em sua caminhada sinestésica com as fuligens, da mesma forma como a água, parte da constituição corpórea da Mulher.
O elemento água e toda a obsessão do Homem por ela, a seca e as queimadas trazem a identidade regional impresso no olhar ao redor do autor. Não que o curta discuta esse problema com um caráter social, até porquê esse não é o intuito dele, mas sim colocar dentro de um contexto particular alguns reflexos explícitos dessa realidade representada.

2 comentários:

Flor de Bela Alma disse...

Eu achei de um lirismo impactante essa '' dose única''. Gostei do comentário e espero ver em breve o curta!

Anónimo disse...

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