22 de outubro de 2007

Provérbio

Dizem que a primeira a gente nunca esquece. O curta ":dose única" inicia sua trajetória sendo selecionado no Festival 14 Vitória CineVídeo. Um dos mais importantes festivais devido a sua estrutura, recebeu inscrições de curtas de todo o país onde apenas 16 ficções foram selecionados na categoria vídeo. A exibição será dia 14 de novembro no Cine Metrópolis em Vitória -ES.
Agora é torcer. O primeiro festival. A primeira viagem de avião. A primeira visita a Vitória..rs

8 de outubro de 2007

Sobre dose

Dose única
por Francisco Gaspar


O curta “ : dose única” (Rogério Shareid, 2007. Ribeirão Preto) conta a história de um Homem apaixonado por uma Mulher e que na instância de não tê-la completamente fica transtornado e se mostra obcecado por ela.
A válvula de escape do personagem masculino para tentar se conter diante da falta da Mulher, num primeiro estágio são os livros de anatomia, onde o personagem entra em contato com alguns conceitos biológicos. Após ele descobrir em suas leituras que o corpo da mulher é composto, em sua maioria, por água, o Homem começa a consumir o líquido de forma compulsiva, até o momento em que ele se depara com ela onde o excesso de desejo custa-lhe a vida, vítima de uma overdose.
Feita essa primeira descrição narrativa e simplista, partiremos para uma análise mais simbólica do curta. Essa análise será baseada num elemento que considero de suma importância para o enredo do filme: a água. Sua importância se dá tanto pela parte mais simbólica do filme quanto para contextualizar geograficamente a região e o clima em que foi filmado, que apesar de não se citado diegéticamente, exerce uma grande influência nas simbologias utilizadas pelo roteiro.
Primeiramente, a água tem uma importância muito grande no enredo do curta pois ela representa, de forma indiciática, a própria Mulher. A relação de índice se faz baseada numa informação fisiológica que o próprio filme aponta. Então, o consumo compulsivo de água pelo personagem Homem passa a ser o “consumo” da Mulher. A voracidade com que o Homem vai em busca da água e a ingere é a mesma com que ele transa com ela; e todo o transtorno dele quando a água acaba é também, senão simplesmente, causado pela ausência da Mulher. Então, a água que é uma representação indiciática passa a ser, também, uma representação simbólica, pois ela deixa de ser apenas um elemento que compõe o corpo da mulher e passa a ser a representação da personagem Mulher, iniciando uma relação metonímica em que a parte água passa a ser o todo mulher.
Indo mais além no curta e nas relações entre clima, Mulher e água, destaca-se os momentos de alucinação do personagem em que o elemento água se faz presente de forma mais simbólica. São eles as cenas onde o personagem começa a ver bolhas de sabão, goteiras, água saindo do armário e quando ele consome água direto do galão da cozinha. Esse momento antecede o clímax do filme que é quando o personagem, já num estado de total transtorno, destrói os pertences de seu quarto.
No momento de alucinação, onde o personagem vê água em todos os cantos, nota-se uma serenidade e uma passividade do personagem, que irá propositadamente contrastar com a seqüência posterior. Para o autor, a água é um elemento que se remete ao profundo, a escuridão das profundezas das águas, porém não como algo de energia negativa, e sim a uma calmaria, a um momento de reflexão interior, de introspecção, de uso terapêutico da água e de sua ausência de luz no profundo, algo uterino, onde os sons não são bem definidos e as imagens são desfocadas. Essa calmaria e introspecção se fomentam, também, na fotografia do filme que traz cores mais frias nos momentos de reclusão, e que se acentuam na cenas de alucinação, em tons de azul em contraste com a aridez avermelhada da realidade proposta ajudando a criar toda a atmosfera introspectiva necessária pra a seqüência.
Sendo assim, nesses momentos, que não chamo mais de alucinação e sim de introspecção, em que o Homem comporta-se de forma passiva e considerando toda a atmosfera sugerida pela fotografia e as simbologias com a água, principalmente a do útero, pode-se dizer que a atitude do Homem é de uma passividade fetal.
Assim, quando o Homem sai da passividade para a explosão, como um bebê que deixa de ser feto e vem ao mundo e como o Homem que abandona seu estado de introspecção para outro de ação, ele desprende parte de sua energia, até então acumulada, no ato de auto-destruição, chegando ao ponto de reencontrar a Mulher que sempre esteve ali do outro lado da porta sugerida pela forma narrativa, e que o sauda com um copo d’água, reunindo num só momento os dois desejos do Homem. Ele rompe com a atmosfera criada pelo momento de introspecção, de toda sua fase água, e passa rapidamente pela fase terreno, onde ele realmente vê a Mulher, e logo em seguida atinge um estágio de sublimação total – o momento da transa – onde a energia desprendida pelo excesso de prazer é tão grande que lhe custa à vida.
Complementando a análise do curta, consideremos a água, a localização geográfica da região de Ribeirão Preto em que o vídeo foi feito e a conjunção de significados sugerido pelo diretor entre a falta do objeto de desejo, a Mulher e a falta de umidade, reflexo do clima da região muitas vezes causada pelo excesso de queimada de cana. A Mulher, já no fim do filme, se configura como representação de parte do clima concluida em sua caminhada sinestésica com as fuligens, da mesma forma como a água, parte da constituição corpórea da Mulher.
O elemento água e toda a obsessão do Homem por ela, a seca e as queimadas trazem a identidade regional impresso no olhar ao redor do autor. Não que o curta discuta esse problema com um caráter social, até porquê esse não é o intuito dele, mas sim colocar dentro de um contexto particular alguns reflexos explícitos dessa realidade representada.

4 de outubro de 2007

Comentario

Olá Shareid,

Como a possibilidade de recortes é inúmera, vou pinçar o que acredito ser mais relevante e que, saltou aos meus olhos: o recorte pela dimensão patêmica, progressiva e prudente ao engajamento da subjetividade atrelada à narratividade, que, penso ser o que você tem pontuado, abrindo a discussões e mostrando-se mais preocupado com. Há no seu texto, elementos que estão atrelados a uma verdade a qual deseja construir uma semântica da dimensão passional, isto é, entendo sua narratividade, o seu texto, como a paixão não-aquilo que afeta o ser afetivo dos sujeitos “reais” mas, enquanto efeito de sentido inscritos e codificados na linguagem. Que é o que molda, em verdade, nós, virtual telespectadores. Isso de fato, faz-me refletir que, em linhas gerais, mergulhados em sua narratividade, somos convidados a re-fletir acerca da valorização desta ou daquela paixão, desvalorizar uma (seca – nada/ abundância/ tudo, abstinência, abundância etc, sei lá!!!), em detrimento da outra. Brincando com os exemplos imbecis e superficiais que acabo de pontuar, tais oposições semânticas, estão intrin-seca-mente (rs...) ligadas ao imaginário passional.
A metáfora fundamental (se é que ela existe) é à base do modelo da compreensão. S omos então convidados a sermos “pequenos cientistas”? Limitados, porquanto não considerados na relação do sujeito com sua comunidade (filme) via linguagem? Sinto a proposição de uma outra linguagem: o processo de sentir no psicanalítico. O aprofundamento da analogia e das metáforas, extremamente bem construídas em seus planos, permite delinear de forma bastante curiosa uma proposta que passeia da subjetividade ao equilíbrio dos já ditos.
A busca “pelo esmiuçar” de um texto, pela interpretação alheia, seja ele (a) qual for, tem exclusivamente o intuito da confirmação do SEU objeto (roteiro, narratividade etc). Será que tais reflexões não estão, contudo, à parte da arte?
A obra, ao fim, torna-se autônoma.
Não pertence mais ao criador.
Tem vida própria, fala por ela.
É o que se chama de arte pela arte?

Um abraço,

Carolina


Carol! Confesso que tive procurar o dicionário umas 3 vezes ...rs.
Obviamente que não estamos falando mais sobre a criação e sim sobre a multiplicação das sensações que ela nos causa. Algumas vezes me deparo com produções em que por trás dela parece haver uma necessidade de se afirmar tanto da obra na forma como foi executada quanto as inúmeras argumentações formuladas pelo autor. Há uma necessidade de ser complexo, como se não bastasse já nossa intrínseca complexidade. Me intriga saber a importância disso.
Naturalmente criamos, e o resultado, sentimos. Vejo a arte assim. Não adianta você fazer. Precisa de alguém pra sentir.
Agora eu já me torno espectador e não mais realizador e por isso o que diz faz muito sentido. Ele, o filme, torna-se autônomo e agora deixo-o que amem ou odeiem sem sofrimento. Importa existir e incentivar todos nós cientistas!